Árvores, ciclos e demissões

To meio sumido daqui, mas continuo com minhas "merditações” enquanto caminho. O outono na europa é diferente do outono no Brasil. Aqui as estações são bem mais definidas.

As ruas estão cobertas por folhas das árvores.

Enquanto eu caminhava por essas ruas me esquivando das folhas para evitar escorregar e cair de forma vexatória, tive um insight.

Na verdade, uma reflexão: sobre árvores, ciclos e demissões.

Como sempre, farei umas analogias com biologia e eu não sou biólogo. Isso significa que eu posso falar uma besteira descomunal biologicamente falando. Mas não vou deixar a necessidade de se ater aos fatos biológicos atrapalhar uma boa analogia e uma boa narrativa.

Os ciclos das árvores

Durante a primavera e verão, as árvores ostentam folhas bonitas. O sol é abundante e a fotossíntese rola solta.

Mas ai vai chegando o outono e a árvore se livra daquelas folhas pra conseguir sobreviver. Com menos fotossíntese, as olhas começam a ser mais um passivo do que um ativo: consomem e não geram tanta energia mais.

Com o perdão dos veganos, a árvore corta na própria carne o excesso que os tempos de bonança proporcionaram.

Parece sub ótimo crescer tantas folhas só para alguns meses depois, descartá-las.

Mas esse ciclo bem feito faz com que a árvore cresça saudável. Ela aproveita ao máximo os tempos de bonança e sobrevive às vacas magras.

Os ciclos empresariais

Lembro de conversar com um amigo que trabalhava na Vale la para 2016 (posso estar errando o ano também, mas foda-se né?).

A empresa cresceu bastante porque o minério de ferro estava caro. A Vale tinha contratado gente pra caralho, tava operando uma porrada de minas que não eram viáveis com o minério mais barato, mas naquele momento fazia sentido.

Mas na época que eu estava conversando com ele, o preço do minério tinha caído bastante. Isso fez com que várias minas se tornasse inviáveis e que várias pessoas tivessem que ser demitidas.

Eu encarei aquilo como uma falha de planejamento da empresa (do alto da minha ignorância corporativa e da indústria). Parecia que eles tinham crescido de forma irresponsável.

Pensei isso também influenciado pelo fato de ter trabalhado como consultor de gestão na PDG na mesma época e ter visto a empresa quebrar. Eles construíram muitos imóveis e surfaram uma onda de juros baixos e capital abundante. Todo mundo tava comprando apartamento.

Mas a maré secou. Os juros subiram. As pessoas pararam de comprar apartamentos. A PDG não conseguia mais vender os prédios recém construídos. Agora ela tinha que pagar o iptu e não tinha perspectiva de receber o dinheiro. Além disso, tinha que fazer manutenção dos apartamentos, por que se não, ai sim é que nunca iria vender.

Com um problema a mais: ela pegou crédito para construir. Agora a taxa de juros estava maior, o que fazia com que a dívida se tornasse mais cara.

Situação difícil.

A minha aversão à alavancagem

Essa vivencia na PDG aliada a minha tradicional pão duragem me moldou. Quando fiz minha primeira startup fomos austeros até o limite. Captamos R$150k apenas.

A gente não se alavancava nem fudendo. Até porque, não sabíamos exatamente qual era o melhor modelo de negócios.

Quando descobrimos o modelo que funcionava, a gente foi adquirido.

Então eu sempre fui avesso a crescer de forma desordenada. A captar dinheiro e queimá-lo para crescer.

Mas essa caminhada pelas ruas no outono me fez refletir.

As árvores e as empresas

O segredo não é simplesmente não se alavancar. Ao fazer isso, é possível perder uma puta oportunidade.

O segredo é se alavancar o máximo possível para que quando a maré secar, você consiga sobreviver.

Perder folhas no outono é normal. Ter que demitir pessoas quando o panorama econômico muda também. Por mais triste que isso seja.

Ter de cortar 20-30% da força de trabalho não necessariamente é uma falha de gestão, igual os noticiários tendem a insinuar quando alguma empresa anuncia um corte.

É a empresa se adequando à nova estação.

A natureza faz isso desde sempre. Quem somos nós para julgar esse conhecimento milenar das árvores?